Acontece em Lisboa
“Moi je suis la langue et vous êtes les dents”
Yto Barrada

Consciente que a visita guiada pela artista e pela curadora da exposição a iria auxiliar na compreensão de um tema que a apaixonava, a vivência dos povos, levantou o bilhete que dava acesso a área projecto do Centro de Arte Moderna.
No branco recinto da entrada, quadros desvendavam colagens com pratas de bombons que Yto explicou ter comido instantes antes de realizar o trabalho, e os vazios das imagens transmitiam a ideia de ausência, numa referência a artista portuguesa Lourdes de Castro que entre 1958 e 1964 animou um grupo em Paris e que inspirou Yto Barrada.
O título da exposição (Eu sou a língua e vós os dentes) foi explicado ser um excerto de uma anotação de um dos cadernos da etnóloga Therese Riviere (Paris 1901 – 1970) que entre 1934 a 1936, partiu para a Argélia, numa missão do então Musée D´Ethnographie du Trocadero, para estudar a etnia berbere Chaouias; a esse tema de estudo Therese catalogou com a palavra Magia.
A língua como representação da fala, do idioma e da linguagem dos colonizadores que na Argélia dos anos 1930 impunham o poder sobre os colonizados, e os dentes a resistência contra a despossessão da palavra.
A etnóloga francesa, que devido a desigualdade entre homens e mulheres viu o seu trabalho silenciado em França era presença forte no espaço expositivo. Os seus desenhos, cadernos de anotações, fotografias e objectos por ela reunidos muitas vezes de forma disruptiva face aos métodos da época foram esquecidos no seu país natal e Therese exilada nos últimos vinte anos de vida em instituições psiquiátricas.
Pegando na sua memoria e tecendo novas histórias a artista utilizou os objectos de Therese, colocando-os sobre planos quadrangulares de cores vivas, dando a ideia de montagem fílmica. Mas foi mais longe e na trama urdida pelas lembranças, Yto Barrada criou a série Telephone Books (The Recipe Books), de 2010, cadernos de telefone da avó materna, que, analfabeta, inventou um sistema gráfico para identificar os contactos familiares. Com sorriso calmo Yto traduziu, a bola representava o Zero, os traços os números e no fim algo que distinguia a pessoa, por exemplo 4 dedos representava o familiar com 4 filhos.
Ao fundo da sala a iluminação destacava “Jeu de Construction Therese” (Therese Unit Blocks), de 2018 em que a artista com jogos de encaixes e utilizando um alfabeto abstracto sob a forma de blocos geométricos monumentais, dedicou a Therese Riviere numa leitura de resistência poética
Na parede maior têxteis feitos por Yto, baseadas na série Marrocos (1964 – 1965) de Frank Stella, criavam um impacto forte no visitante, a que luz não era alheia.
Os filmes Hands-me-downs, de 2011, titulo relacionado com as roupas que transitavam entre os vários filhos onde histórias biográficas da artista apareciam contadas tendo como suporte imagens realizadas por colonos e “The Identification for Beginners”, relato biográfico da mãe nos seus anos de estudante socialista com imagens que remetiam para jogos de encaixe e de tabuleiros, obrigavam a uma leitura atenta.

Visitaria novamente a exposição, isso era certo mas com um olhar bem diferente.

-Só podemos ver até onde o nosso conhecimento alcança – tinha lido algures e sentiu a força da veracidade da frase.

Espaço Projecto – Centro Arte Moderna

de 8-02-2019 a 6-05-2019