Acontece em Lisboa
A Oferenda do Guerreiro

Mudungazi, ultimo imperador do estado de Gaza, subiu ao poder em 1884 com o cognome Gungunhana, o “Invencivel”, o “Terrivel”. Pertencente a dinastia Jamine, fundada nos primórdios do século XIX, pelo seu avô Manicusse, reinou durante onze anos tendo sido considerado por uns um herói e salvador e por outros um ditador e um pesadelo.
Mas os destinos de Africa seriam seriamente marcados meses após o Leão de Gaza assumir o comando de um dos maiores impérios dirigido por um africano. Em fevereiro de 1885 assinava-se na Conferência de Berlim um documento sobre a nova forma de ocupação, colonização e partilha territorial das principais possessões africanas mundiais. Como consequência deixava de se ter a soberania sobre territórios coloniais apenas pelo direito histórico da descoberta, e passava a ser obrigatorio uma efectiva ocupação e exploração dos territórios sobre os quais se assumia a propriedade.
Se até aí o governo português tinha demonstrado incúria e pouco interesse pela colonia africana do Indico, endureceu, a partir desse momento, a sua posição passando a exercer o seu poder colonial, poder esse que se baseava em pouca ou mesmo nenhuma vontade de vivência comum e de solidariedade com as populações locais.
Gungunhana ainda tentou o jogo diplomático com Portugal e Inglaterra mas o destino foi-lhe sombrio.
Após várias disputas e combates acabou por ser  aprisionado pelas forças portuguesas comandadas por Mouzinho de Albuquerque em Chaimite, local sagrado por lá ter sido enterrado o fundador do império, seu avô, e onde se tinha refugiado.
Foi exibido como trofeu e como prova de como Portugal estava a cumprir o acordo de Berlim.
Sobre o seu embarque no navio Africa para a metrópole portuguesa a 13 de Janeiro de 1886, acompanhado por sete das suas mulheres escreve Maria de Conceição Vilhena, no seu livro “as Mulheres de Gungunhana”.
“As condições a bordo deviam ser péssimas, pois Gungunhana e seus companheiros, num total de 15 pessoas, ocupavam apenas dois compartimentos pequenos, escuros e mal arejados. Por razões de segurança, aí ficavam fechados à chave, sempre que o barco fazia escala em qualquer porto. E foi o enjoo, a asfixia, a imobilidade, a juntar à angústia da dúvida sobre o futuro que os esperava. Os jornalistas falam mesmo da tentativa de suicídio por parte de uma das mulheres…”
Ao chegarem a Lisboa descreve ainda Conceição Vilhena.
“Lisboa estava em festa, a abarrotar de multidões ruidosas. O público, apinhado pelas ruas, empoleirado em postes, debruçado das janelas, aos magotes, como enxames, ri, grita, vaia eufórico. Dentro das carruagens, os prisioneiros olham temerosos e embaraçados…”
“… Do Terreiro do Paço seguiu o cortejo pela rua do Ouro, Avenida da Liberdade, S. Sebastião da Pedreira, Sete Rios, Benfica, rumo a Monsanto. Por todo o lado, em todo o percurso, era aquela mole imensa de gente, às gargalhadas e a insultar. Porém o desconhecimento da língua portuguesa dava às prisioneiras a vantagem de não compreenderem o ódio e a ironia da arraia miúda e assim, na sua inocência, poderem continuar a sorrir……
As instalações onde são recebidas nada têm de semelhante àquelas casas que, na Baixa, as haviam deslumbrado. Passada a ponte levadiça, entram numa masmorra, onde a escuridão era quase total.
Sobre a estadia em Monsanto refere Maria Conceição Vilhena:
“Ao princípio, a monotonia dos dias foi quebrada pelas muitas visitas que recebiam. As esposas de ministros, ou de outras altas individualidades,… Mas um dia acabaram-se as visitas, por o ministério as ter proibido. E então foi a solidão total. Tensão, crises de mau humor, cólera, emoções descontroladas, transgredindo assim a contenção imposta pela disciplina militar. O recluso tem de obedecer, mas os nervos começam a dar sinais de fadiga.
…….
De repente a imprensa deixa de se interessar pelos prisioneiros africanos. O encanto da novidade tinha-se extinguido; e agora nada mais saberemos a seu respeito, a não ser que passaram os meses de Abril, Maio e Junho, na mais horrível solidão.
……
Até que, no dia 23 de Junho os jornais anunciam a partida do Gungunhana e dos seus três companheiros, na véspera, para os Açores.”

Chegou a Angra do Heroismo a 28 de Junho de 1896, tendo como casa, na ilha Terceira,  o forte de São João Baptista onde viveria onze anos e onde se dedicaria entre algumas das actividades que lhe eram permitidas, a fazer cestos.
Morreria, triste e só a 23 de Dezembro de 1909 vitima de hemorragia cerebral, com idade próxima de 57 anos.

A família do médico que o acompanhou doou ao museu de etnologia o cesto que lhe tinha sido oferecido pelo guerreiro moçambicano e que hoje pode ser visto e apreciado por todos os que o visitam o museu.