O Museu do Dinheiro ergue-se sobre os pilares de uma antiga história e é atualmente um importante ponto cultural da cidade de Lisboa, com exposições e atividades dignas de sair do anonimato.
A excelente performance “Outros Modos de Ver”, integrada na programação de Setembro de 2019, é disso um bom exemplo; extrapolando o puro sentido da visão, destacou outras formas, mais ousadas, de dialogar com os objetos e imagens expostas em museus e galerias, muitas delas orientadas para perceções sensoriais menos obvias e menos clássicas.
Com o tempo as sociedades encaram o passado com outro olhar até porque o presente decorre dele sendo ele mesmo já passado do momento seguinte.
Comece-se então pelos alicerces da narrativa. A Igreja de São Julião, a primitiva, foi construída numa rede urbana diferente da existente nos dias de hoje situando-se, na altura, perto do cruzamento da Rua de S. Julião com a Rua Augusta, a norte da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira. Com o fatídico terramoto de 1755, ficou totalmente destruída, sendo então reconstruída no local onde anteriormente se erguera a Patriarcal de D. João V, também ela arrasada pela catástrofe. Catorze anos após a conclusão das obras nova fatalidade assolou a igreja, mas dessa vez foram as chamas as responsáveis pela destruição do seu recheio obrigando a nova intervenção que se prolongou até 1854.
Quis os enredos do destino que fosse vendida pelo patriarcado ao Banco de Portugal, para que conseguisse angariar fundos para a construção da igreja de Nossa Senhora de Fátima.
A igreja de São Julião passou novamente por uma metamorfose, desta vez, algo insólita, cofres foram colocados no espaço do altar mor, lingotes de ouro guardados numa estrutura montada na nave central e o amplo salão da entrada passou a servir de garagem para os administradores do Banco.
Em 2007 foi decidido efetuar-se novo restauro ao edifício. Sujeito a uma criteriosa reabilitação trabalhou-se a nave e o antigo saguão (resultante da reconstrução do quarteirão contiguo) como uma unidade, resultando dessa decisão uma estética cenográfica requintada onde a movimentação das pessoas na rua interior do saguão iluminada pela luz coada por uma cobertura de vidro, é visível a partir da nave, quando a sua longa cortina está aberta fazendo lembrar uma cena de filme clássico.
As cicatrizes da história não foram apagadas, mas antes evidenciadas optando-se por manter as marcas das violências sofridas ao longo do tempo bem como, e sempre que possível os frescos originais. Troços da muralha de D.Dinis lá estão devidamente assinalados sendo motivo mais do que suficiente para uma visita cuidada.
Ao entrar, a claridade do amplo átrio, as longas cortinas douradas de seda selvagem com textos de Fernando Pessoa, o candelabro suspenso no óculo da abóbada, onde antigamente estava outro, mas com velas acolhem o publico e justificam as exclamações de surpresa provocadas por uma aprovação inesperada.
Outros modos de ver este espaço que a história não poupou, foi o local perfeito para novas abordagens de interação com as obras expostas. Vestida de vigilante a atriz deu corpo aos colaboradores que pela sua discrição são quase invisíveis à atenção do visitante e cujo trabalho é importante para a manutenção e conservação do património cultural. Numa homenagem ao critico de arte inglês John Berger os presentes foram então desafiados a utilizar o corpo para interagir com as admiráveis fotografias que enchiam o local, como por exemplo “Olhar para uma imagem com uma distancia mínima, fechar o olho direito e ver a imagem com o olho esquerdo” ou “descrever uma imagem a outra pessoa”, entre outras propostas descritas num folheto distribuído no inicio da performance.
E são mesmo Outros Modos de Ver que a evolução impulsiona para se conseguir ultrapassar as etapas de um progresso cada vez mais exigente.

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