Se são os livros que chamam os seus leitores através de um qualquer misterioso e oculto enredo não sabia, sabia apenas que nesse momento aquele o tinha agarrado num emaranhado de teias invisíveis, fortes o suficiente para o adquirir sem vacilar ”Os transparentes”.
E com tamanha loquaz inevitabilidade de apelo deixou toda a leitura que tinha em mãos para lhe dedicar a devida atenção

Na primeira página uma folha preta,
Lia-se
“Acabou o tempo de lembrar
choro o dia seguinte
as coisas que devia chorar hoje”….. Do bilhete amarrotado de Odonato

Segue-se a história que inicia com cheiro a fumo e na sua memória ouvia a voz… “mataram Santiago Nasar..”. É isso, estava ler o quase fim do romance que prossegue com esse odor forte na mente.
A acção desenrola-se num prédio de gente pobre, tão pobre que alguns nem nome tem, aparece assim o vendedordeconchas, Mariacomforça, Joãodevagar…..e Odonato que aos poucos foi prescindindo de comer para ter com que alimentar os filhos e desta forma a vida aliviou-o do cargo da materialidade.
Mas este prédio é mais do que uma simples estrutura vetusta e decadente, encarna em si o estereotipo da sociedade Luandense, mas será só essa a sociedade em questão?.
Enquanto lia mergulhava numa realidade que infelizmente poucos são os que não a conhecem.
Por detrás de discursos da gente com poder que apelam a austeridade habita uma desmesurada obsessão pelo poder, pela ostentação, numa dialéctica que contrasta com a ordem entretanto transformada em caos. Os sinais vão aparecendo ao longo do livro, o desfecho é inevitável, como inevitável parece ser a cegueira de todos os intervenientes face ao seu destino.
Questionou-se, é assim só no livro?
Espaçadas aqui e ali as paginas em preto, só tinham uma leitura, o que restou, essas páginas eram relatos póstumos da tragédia que a vida foi urdindo, numa cadência de declínio constante, com epilogo em que pouco importa clamar por inocência.
“.. -acordem, homens.. qual distribuição?! então e o estado agora precisa que alguém do setor privado distribua água? e nós ficamos calados, não é assim? o estado admite mas onde é que já se viu?
-Também não é preciso ficar assim, homem….
-Durmam….. -dizia o Esquerdista com ar irónico e triste – durmam, enquanto vos enfiam o dedo no cu sem aparar as unhas… durmam enquanto vos anestesiam com doses de suposta modernidade!, ….”

Um bom livro é aquele que marca para sempre; assim acontece com Os Transparentes.

Quem por causa do medo se encolhe e rasteja vive a morte na própria vida
Quem, a despeito do medo, toma o risco e voa, triunfa sobre a morte.
Morrerá quando a morte vier, mas só quando ela vier.”

                                                                                            Rubem Alves

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