O padre persigna a audiência ainda inexistente.
A batina preta, a enorme cruz pendurada ao pescoço, o intenso vermelho das rosas e dos copos que a luz crepuscular acentua abrem o pano para os atores e despertam tímidas atenções.
Sobre os sons harmoniosamente temperados de passos e de exclamações de surpresa face a quase irreal sensação de estar sobre uma cidade com mil folhas de história, ouve-se o ritmar forte e compassado das secas palmas do flamenco Andaluz.
O ar pesa, a canícula acentuada pela ausência de qualquer brisa transforma os movimentos mais básicos em árduas tarefas, largos chapéus e longos lenços cobrem os audazes que se arrastam pelo empedrado das muralhas.
Inglês, brasileiro, japonês, italiano e francês misturam-se com a melodia do violino e do acordeão, e acendem a curiosidade pelo insólito.
Em fila aparecem os homens de preto e as mulheres de branco, encena-se “Bodas de Sangue” de Lorca.
Uma história de ciúme e morte entre camponeses da tórrida Andaluzia. A noiva foge em plena boda com o antigo namorado, são encontrados e num duelo de paus entre o noivo e o amante limpa-se a honra da família.
A dourada luz banha as personagens que dançam, gritam e gesticulam. Os beligerantes refugiam-se entre a assistência, aplaude-se a ousadia. Salero e sapateado são a tónica dominante.
O calor abranda ligeiramente quando sobre o tejo o rosa alaranjado tempera o intenso azul do rio, Cruzeiros rasgam as águas num ultimo adeus.
A noiva sai de cena, ninguém a vê apenas a sua sombra se esconde na parede.
Sem aviso nuvens abrem-se em luz, o metrónomo compassa o tempo, ao longe na Ribeira das Naus chega a música da Festa da Diversidade. O rasgo da luz irrompe novamente no plúmbeo carregado dos céus fazendo as honras de mordomo à copiosa chuva que se segue.
A quilómetros de distância, nesse mesmo instante acontece o horror das chamas que enluta Portugal.

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